Não posso deixar de exprimir a minha mais profunda indignação perante as palavras proferidas pela Igreja Católica portuguesa a propósito do problema do aborto (sim, porque é de um problema que se trata, nem que seja de saúde pública)... Será que eu ouvi mal ou os seus representantes disseram, e passo a citar, que "a mulher não tem direito ao aborto"?
A sensação que me dá é a de que regressámos ao tempo da escravatura em que os escravos não tinham o direito de ser livres ou ao tempo da ditadura do Estado Novo em que as pessoas não tinham o direito de exprimir livremente a sua opinião e de pensar pela sua própria cabeça...
[Está-me cá a parecer que, às vezes, as pessoas não medem o alcance das suas palavras...]
O que está aqui em causa não é discutir se é certo ou se é errado, porque todos sabemos que pelo menos correcto não é (mas há muita coisa que se faz contra a vida humana neste mundo, inclusive neste país, que não é correcta e não vejo ninguém manifestar-se em relação a isso)... Essa discussão não leva (e não levará) a lado nenhum e entretanto há casos concretos, há pessoas reais aí fora que têm um problema para resolver ao qual não podemos fechar os olhos, porque, sejamos claros e deixemo-nos de hipocrisias: 1º nunca se deixará de praticar o aborto, aqui em Portugal ou onde quer que seja; 2º quem tem dinheiro vai fazer o aborto a clínicas em Espanha, quem não tem usa agulhas de tricotar ou vai ter com "habilidosos" e normalmente o resultado é que essas mulheres/pessoas/seres humanos vão parar ao hospital com hemorragias e muitas vezes já não saem de lá, mas a perda dessa vida humana já não é lamentável, pois não? "Ela que não tivesse feito o filho!", já estou a ouvir as prezadas e os prezados cidadãos com vidas perfeitas e de carácter incólume a proferirem tais palavras...
Se me perguntarem, eu sou apologista da prevenção, de divulgar a informação necessária e ter a certeza que essa informação chega às pessoas, mas por mais informadas que as pessoas estejam (que não estão, pelo menos em determinadas camadas da sociedade), como todos sabemos, o único método 100% seguro é a abstinência, pois já houve casos de mulheres que fizeram laqueação das trompas e mesmo assim engravidaram... Ora, se nem os religiosos a praticam (a abstinência, entenda-se)...
"a mulher não tem direito ao aborto"... O mesmo é dizer que a mulher não tem direito sobre o seu corpo, não tem direito a pensar pela sua cabeça, ou seja, não tem o estatuto de ser humano...
A mulher está ao nível das galinhas, das cadelas ou das vacas, que quando engravidam têm obrigatoriamente as crias, porque assim o determina a Natureza... Nesse caso, eu pergunto: o que distingue, afinal, os seres racionais dos irracionais?
Uma mulher, mesmo que seja jovem, saudável, etc, não deve ser "obrigada" a ter um filho só porque engravidou acidentalmente... Não sei se alguém já pensou nisso, mas a parte psicológica nas pessoas é muito importante e a mulher pode estar preparada a nível físico para ter um filho, mas pode não estar a nível psicológico, por diversos motivos (emocionais, afectivos, ambições profissionais, etc) e são todos legítimos, quer queiramos, quer não...
Acima de tudo, o importante é que se dê oportunidade às pessoas e, neste caso, às mulheres de poderem decidir sobre um assunto muito importante para as suas vidas: a decisão de ter um filho ou não.
Ter um filho é algo que deve ser muito bem equacionado, pois se a maternidade tem muitos aspectos positivos, também tem outros menos positivos, e não esqueçamos que ainda continua a ser mulher a acarretar com a maior parte da responsabilidade de cuidar do filho, aliado ao seu desempenho profissional, à vida doméstica, etc...
O importante é que não façamos como a avestruz que esconde a cabeça debaixo da areia... Este é um problema bem real da nossa sociedade que afecta muitas mulheres, de todas as idades e estratos sociais, mulheres essas que devem ser ajudadas e aconselhadas, em vez de serem julgadas por quem, certamente, também tem telhados de vidro...
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